Talvez eu seja algum tipo de oficina de homens que sofreram maus tratos de algum momento do relacionamento anterior. Quem sabe eu compre um espaço no jornal e coloque um anúncio com a descrição dos serviços oferecidos, pois claramente meu negócio está indo bem. Deveria existir uma parte no meu cérebro, um órgão qualquer, que regule as propagandas enganosas que chegam à tela do meu córtex, que selecione melhor o que vai me tirar o ar, já que que auto-censura nunca foi meu forte.
Acho que é por esta razão que as pessoas tanto associam o amor à mágica. Às vezes alguém me mostra um pouco dele, e depois o faz desaparecer numa cartola. E eu me pergunto: ei, como você consegue fazer isso?
***
Aí, eu encontrei você, nós nos conhecemos, eu te consertei, te fiz perfeito pra mim, nos amamos, moramos juntos e agora você está voltando pra casa.***
Naquele cenário infeliz de sobras de chá de cidreira, lenços de papel amassados pelo chão, cobertor no sofá, cadeiras fora do lugar, mala aberta por sobre a cama, livros e CDs embrulhados, dentes e sorrisos guardados, eu não disse nada, quase nada, até porque seria uma deformidade. Mas estou dizendo agora. Desculpa por nunca considerar você uma aposta segura e razoável, por ficar noites de guarda te esperando cometer um erro dantesco e irreparável e definitivo todas as sessenta semanas que passamos juntos, e que devem ter sido incríveis – um dia, quando tudo isso passar, e eu me esquecer do seu rosto me dizendo “eu quero que você se dane”, você me conta. Desculpa por nunca, em nenhum momento, deixar de acreditar que lá fora existia um cara imperfeito pra mim, ou pelo menos melhor do que você, em todos os aspectos. Desculpa por agir feito uma diabinha sempre espetando com um tridente nossos ocasionais dias de sossego.É que na minha cabeça já estava tudo preparado pra dar errado. Eu não mudei toda minha estrutura de vida, eu não conheci seus amigos de infância, eu não planejei uma viagem de férias, eu não parei com a pílula, eu não... nada. Eu sempre vivi uma vida de propagandas e na primeira oferta concreta e interessante que recebi, era tarde, eu já tinha vendido minha alma.
Quando eu te chamava de “amor”, não sei, era só um modo de falar. Talvez minha liberdade seja um poste sem iluminação onde ficarei acorrentada pelos tornozelos para sempre. Porque, eu sei. Tudo pode mudar o tempo todo e, tola, sofro desse medo; quando o real perigo à espreita é nada acontecer.
E nada aconteceu. Eu meio que sabia onde as coisas iam dar – foi quase, mas não deram. Não deu. Não dei. Valeu a tentativa, o empenho, o interesse. Eu não estava prestando muita atenção, mas posso sentir em algum lugar aqui dentro de mim que foi bonito. A gente ainda vai se falar por aí, essa não é a conversa final, eu sei como você é."
/por Gabito Nunes
Nenhum comentário:
Postar um comentário